segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Eu vim me despedir do Corinthians"

Semana passada fui entrevistar o jornalista e médico Osmar de Oliveira. A pauta era para falar sobre saúde. Falamos, e muito. No fim não resisti e disse, simplesmente: "E o Corinthians?". A resposta segue abaixo.


É uma febre, é uma doença, mas incurável. Faz parte da minha vida. Nasci e vou morrer com ele. Ele faz meu pai, que já foi embora, parecer que está sempre comigo para saber as novidades e os resultados dos jogos. Transferi esse amor para meus filhos, que transferiram para meus netos. Eu não sou corintiano, é mais do que isso. Corinthians faz parte da minha vida. Sem cabotinismo nenhum. Não tenho medo que digam que sou fanático. Sou mesmo, e daí? O escritor Albert Camus, que já foi goleiro na Argélia, ao ser indicado ao Nobel, falou a seguinte frase: “O futebol foi onde tive as minhas maiores lições de moral”. Também acho. O futebol ensina, é lúdico e perigoso ao mesmo tempo. Aliás, vou contar uma das coisas mais emocionantes que vi em toda minha vida, coisa que não aconteceria com palmeirenses ou são paulinos... 

No primeiro jogo do Corinthians na série B, era aniversário do meu neto. Peguei uns 17 coleguinhas corintianos dele, reuni todos, comprei ingresso no meio da massa e fomos ver o jogo. Um pouco antes do apito inicial, se aproximou um senhor com cara de 75 a 80 anos, magrinho, bonezinho branco. Pediu licença à minha neta e sentou-se ao meu lado. Disse: “Doutor, eu não quero autógrafo e não quero foto. Mas eu preciso contar algo. Ano passado eu tive dois enfartes, quase morri. Agora, há 15 dias, tive outro. Fiquei internado e um dia estava de olho fechado, pensando sobre o que tinha feito da vida. Minha mulher pensou que eu estava dormindo. Chegou o médico e também pensou que eu estava dormindo. O doutor disse: 'Dessa seu marido não passa'. Eu não abri os olhos pra não deixar os dois sem graça. Há uma semana tive alta. Sou de Guaratinguetá e hoje pedi pro meu cunhado me trazer aqui. Sabe o que estou fazendo? Eu vim me despedir do Corinthians...”.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

80 invernos

Hoje é meu aniversário de 80 anos. Já me sinto oficialmente velho faz tempo, mas idades redondas são sempre piores. Mal posso olhar em paz para uma menina sem parecer um velho babão. Pouca gente entende que, quando olho para uma mulher, a moça não é um espelho das minhas rugas. Não vejo nela o quão acabado estou. Talvez seja espelho da minha alma. E minha alma é muito mais jovem do que 80 anos.

Mas antigamente não era assim, não. Ser velho era uma coisa bacana, e vez ou outra meninas jovens vinham fazer agrados sexuais aos vovôs. Umas meio gordinhas, outras meio perdidas, mas eram mulher, não é? Os bares e casas noturnas não eram lugares de moleques. Mas desde o maldito aparecimento de Roberto Carlos não se pode mais ser velho em paz. E olha que naquela época, lá pelos anos 60, eu já suspeitava parecer idoso.

Hoje em dia não sinto mais falta das minhas noites boêmias com uísques e mais uísques. Vez ou outra arrisco me estender num bar do centro de São Paulo. Mas em cada porre preciso montar quase uma UTI em casa. Só me recupero totalmente depois de quatro dias. Não vale à pena. Prefiro passar as noites na internet, coisa que aprendi a mexer muito bem, modéstia à parte. Lá posso fingir ser ativo. Aliás, lá dá para ser eu mesmo. Eu é que sou obrigado a fingir que sou velho na vida real.

O maior problema do passar dos anos é que os amigos vão ficando pelo caminho. E o maior susto é que cada morte causa menos comoção. Lembro que, quando meu amicíssimo Carlos morreu há 30 anos, quase morri junto. Fiz pouco caso de Deus e fiquei um ano e seis meses bebendo em sua homenagem, na nossa mesa preferida. Hoje, em cada velório, dou um abraço na família, encaro o rosto do defunto e falo em pensamento: “Aguenta aí, filho da puta, que já tô chegando”. Penso que a morte é como o amor. Os primeiros são arrebatadores. Os outros, a gente vai levando. Aprende-se a sofrer.

Por falar em amor, desde meu tempo de calças curtas que ouço que a felicidade é ficar velhinho ao lado da mulher amada. Pois bem, estou velhinho. Mas a mulher amada ficou para trás, lá nos anos 50, quando me abandonou para casar com um grã-fino argentino. Nunca mais soube dela. A única notícia veio por jornal, quando vi seu nome entre os mortos de um acidente aéreo em 1975, numa viagem rumo a Paris. Por que, na minha mocidade, não fiz mil e duas juras de amor para que ficasse comigo? Hoje ela estaria aqui, me dando broncas por eu sempre usar esta camisa bege amassada. Eu estaria feliz. Mas será que daria certo? Não sei. Não sei nem se algum dia na vida ela foi minha.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Um modelo que acabou (será?)


Uma era que estava começando a se tornar vencedora acabou ontem: a naturalização de um jogador ser mais importante do que o clube. A exaltação do jogador que mais atrai dinheiro, que mais atrai câmeras, que mais atrai fãs, mas que menos atraí títulos. O Ronaldo se arrastando durante 90 minutos, sem ser substituído, contra o tradicionalíssimo Tolima deve abrir os olhos de todos os envolvidos com o futebol sobre o fracasso desse modelo. Essa foi a parte boa.

Ronaldo, não quero saber sobre seu vídeo viral que você insiste – como se todos sofrêssemos de idiotice coletiva ao ler 140 caracteres – em falar sobre uma briga com um francês. Não quero ler suas mensagens acompanhadas com o nome Claro (será que nem ao usar algo tão pessoal quanto o Twitter você pode esquecer que é um garoto-propaganda; tá, eu sei, isto é problema seu). Não quero saber sobre sua casa de milhões e milhões de dólares em São Paulo, escancarada em capas de revistas. Eu só queria que você fosse digno com a camisa do Corinthians. Coisa que você não é há tempos. Não é e não se constrange em não ser.

Sim, nós sabemos que todos os craques tiveram dificuldades de entender quando eram pura decadência. Garrincha é o maior exemplo. Romário, o último, mas ao menos tinha um bom motivo para continuar se arrastando nos campos. Agora, qual motivo você tem em seguir no futebol? Dinheiro, muito dinheiro? Sim, dinheiro é lindo. Mas a maior lição talvez seja de Mano Brown: “Dinheiro é bom, eu gosto sim, se essa é a pergunta / Mas dona Ana fez de mim um homem, não uma puta”.

Não soa que você continue por amor ao futebol. Você não parece fazer questão de entrar em campo. Passa meses sem jogar uma única partida. Quando entra, é evidente sua tremenda má-vontade de jogar futebol. Dá suas corridinhas pra cá, outras pra lá. Se faz gol apenas eleva as duas mãos em direção à Fiel, burocraticamente. Se não faz dá explicações grosseiras a outros repórteres (“Cê tá me encoxando aí!”), mas sempre é polido com uma tal emissora carioca. E ontem foi assustador. Primeiro, falou qualquer impropério a um outro repórter. Depois, inacreditavelmente, chegou a culpar o campo colombiano pela derrota. O zero a zero no primeiro jogo também foi culpa do gramado do Pacaembu?

Enfim, Ronaldo, sem querer me estender, apenas espero que você pare de vestir a camisa do Corinthians. Por mais batido que isso seja, a nossa camisa é maior que você e só merece usá-la quem quer pô-la com o mínimo de dignidade. Não se brinca assim com tanto sentimento. E aos outros clubes, sugiro não caíam na armadilha de querer uma superestrela descompromissada. Quem ligou a tevê ontem sabe que este modelo não deu certo. Os flamenguistas – que ficaram tão tristes com a não ida do Ronaldo ao clube – escaparam de uma boa. Ah, não. Esqueci do Ronaldinho...