quinta-feira, 10 de março de 2011

Coração amarelo

Metrô de São Paulo, linha Leste-Oeste, 10h20. Doralice está sentada em um dos bancos, rumo a estação Barra Funda. Há uma mulher e filha de uns quatro anos no banco ao lado. A filha brinca com a mãe, que não dá muita atenção. Doralice olha tudo de uma forma não muito emocionada. Até que a menina – talvez cansada da falta de atenção da mãe – tira um post-it amarelo de um caderno que carrega às mãos e entrega a Doralice. Há um desenho de coração feito com canetinha rosa. E diz: “Plá você”.

A moça abre um enorme sorriso. A menininha sorri também, fala coisas engraçadinhas, abraça Doralice, que retribui com acenos e carinhos na cabeça. A mãe não percebia nada daquilo; estava compenetrada num livro de Zíbia Gasparetto. Só desperta da leitura quando a voz do metrô anuncia a estação Marechal Deodoro. Mãe e filha descem. A menina pega a mochila com rodinhas e segue arrastando, até virar para trás e mandar um beijinho estalado com a mão. Doralice responde novamente com o maior sorriso do mundo.

Ao fechar as portas, o sorriso dá lugar a uma das caras mais fechadas e amarguradas da história do metrô paulistano. Aos 39 anos, a moça loira sente que seu tempo está passando, se já não passou. Ainda guarda resquícios da mulher bonita que fora há alguns anos, do tempo que podia dar foras em homens apaixonados que lhe prometiam amor e tranquilidade financeira. E filhos, principalmente filhos. Tudo o que Doralice mais queria na vida, mas que sempre achou que poderia deixar para depois. Hoje, pensou, não passava de uma gorda estéril destinada a nunca ser mãe. Os seus olhos de dor profunda quase escurecem a manhã de sol na cidade.

Desceu na estação Barra Funda, andou um pouco até o trabalho e disse que não estava se sentindo nada bem, que tinha de ir ao hospital. O chefe a dispensou e ela voltou para a casa. No seu quarto, deitou e ficou olhando para o teto. Lembrou que tinha guardado o papelzinho amarelo com o desenho de coração na bolsa. Pegou-o e, com o restinho da cola que havia no post-it, grudou na parede do quarto. Desde então, chama esse papelzinho de Maria Clara, a filha que nunca vai ter.