quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Uma noite sem musical

Nunca assisti a um musical. Ao menos nunca num teatro. Mas, naquela noite, Verônica insistiu tanto que não soube dizer não. Aliás, nunca consigo falar não à Verônica, mas esta é outra história. Ela disse que era um grupo que estava em turnê pelo mundo e que fez um baita sucesso em Paris, em Buenos Aires e em Nova Iorque. Eram aquelas peças com nomes em inglês, citando algum bicho. Acho que eram cats, dogs, birds, algo assim. Como estavam em São Paulo, acredito que ela sentiu que faria parte do mundo vendo aquele bando de gente chata no palco falando como se cantasse (ou seria cantando como se falasse?) um tema com o qual não tenho a menor familiaridade. E ainda advertiu: “Vai bem vestido, viu?”.

Marquei de encontrá-la no teatro. No caminho, pus um CDzinho de samba. Começaram aqueles sambas lamuriosos, de dor de cotovelo, de amores tortos, de cachaças no bar. Acho que era Lupicínio Rodrigues. Enquanto escutava, pensei por que esta gente sofrida falando coisas de amor também não faz turnês em Paris, em Buenos Aires e em Nova Iorque? Por que não lotam teatros pelo mundo? Por que as pessoas não se vestem bem para vê-los ao vivo? Ao mesmo tempo me senti mesquinho e limitado. Quase xenófobo. Não posso exaltar algo brasileiro simplesmente porque é brasileiro. Mas que é melhor que qualquer musicalzinho do hemisfério norte no qual os dançarinos sorriem artificialmente, isto é – eu imagino que sim, pelo menos. E decidi, meio para por limites em Verônica, que não ficaria duas horas vendo gringo dançar nem que Fred Astaire me pedisse isto pessoalmente. Pensei, em alto e bom som: “Não vou ver musical coisa alguma!”.

Dobrei a esquina e já estava na rua do teatro. Aumentei o som de samba e fiz cara de birra, meio pra treinar. Estacionei o carro e, ao encontrar Verônica, acho que a fitei com olhar de ódio. “O que foi, meu amor?”, perguntou com o seu jeito pretensamente doce. Respondi: “Olha, não quero assistir a musical algum. Poderia dar mil motivos: isto é colonialismo cultural, isto é indústria do entretenimento da pior espécie, isto não tem nada a ver com o Brasil, isto é artificial. Mas o maior motivo é que é chato mesmo. Você me entende, né?”. Ela cruzou os braços, fez bico e ficou meio de lado, olhando pro chão. Depois de 20 segundos em silêncio, disparou: “Você é muito grosso. Então fica aí, que eu vou entrar”. Não sei como, mas não corri atrás dela. O musical não fazia sentido mesmo. E eu nem estava bem vestido.