sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém



Dia desses, eu estava com uns amigos, conhecidos e semi-conhecidos num bar. Em um momento a conversa rumou para música. Eu falei com a certeza de quem já tomou três cervejas a mais: “A música poderia se resumir em Noel Rosa, João Gilberto e Racionais”. Só se tem boa conversa com algumas verdades absolutas jogadas sobre a mesa. Num canto, até então quieto e observador, estava um sujeito conhecido do semi-conhecido de barba, camisa xadrez e óculos quadrados vermelho. O tipo que se tem certeza que rezou para Deus para ser acometido por miopia ou astigmatismo na adolescência e que regula o nível dos óculos pressionando o centro da armação com o dedo indicador. Pois bem. Ele rompeu o próprio silêncio, numa mistura de complacência e didatismo: “Desculpa, os outros tudo bem, mas Racionais não dá. Aquilo não é música. Mas o que mais me pega contra eles é a incoerência. Falam mal de playboy e o Mano Brown tem um Audi”. Depois, afirmou como se fosse um ser iluminado pelo Criador que é amante de jazz.

Não lhe disse, mas esse cara não sabe nada sobre a vida. Não há incoerência alguma. Para começar a acabar com o argumento basta ouvir o disco Nada Como um Dia após um Outro Dia, de 2002. É um tratado sobre a importância de ganhar dinheiro, de ter um carrão e uma corrente de ouro e as contradições que esses bens trazem a um sujeito negro de periferia. As pessoas querem ter destaque, seja qual for, seja pelo motivo que for. Os Titãs já ensinaram na década de 1980: A gente não quer só comida / A gente quer comida, diversão e arte. Com a diferença que Brown afirma: A gente não quer só comida / A gente quer comida, cordão de elite 18 quilates, breitling no pulso e lupa baunch & lomb.

Cada música do disco, aliás, lembra da importância da grana no bolso. A música Vida Loka Parte 2 exalta: Imagina nós de Audi, ou de Citroen e Não é questão de luxo, não é questão de cor / É questão que fartura alegra o sofredor. Em A Vida é Desafio, é lembrada uma verdade fundamental: O sonho de todo pobre é ser rico. Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém, como se diz em Da Ponte Pra Cá. Ninguém. E isso branco de classe média – de playboy da Vila Olímpia a estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo – tem dificuldade de entender.

Uma das frases que mais se ouve por aí desde a ascensão de milhões de pessoas para a famosa classe C é: “Agora qualquer casa na favela tem uma tevê de plasma, mas não tem livros”. Só idiotas eternos esbravejam contra a explosão de eletroeletrônicos das Casas Bahia em bairros pobres. Não entendem que o poder simbólico de uma tevê de plasma, de uma corrente de ouro, de um Playstation e de um tênis Nike é imensurável.

O sujeito com esses bens de consumo passa a não se sentir mais diferente dos riquinhos que vivem da ponte pra lá. Sente-se feliz, confortável, confiante e, a palavra é essa, com auto-estima. Qual o problema há nisso? Só se pode desprezar algo que se tenha. Os filhos dessas famílias, num futuro próximo, não verão tanta importância em assistir a uma televisão numa tela de 200 polegadas – isso foi normal durante toda a vida deles – e darão prioridade a outras coisas, como montar um coletivo de arte urbana. Grande parte dos filhos da classe média da zona oeste de São Paulo só pôde escolher profissões como clown, arte-educador e cineasta porque os pais – ou os avôs – foram engenheiros, advogados ou donos de imobiliárias. Alguém precisou ganhar dinheiro com profissões tradicionais para o rapaz se dar ao luxo de ganhar menos e ter prioridades mais nobres. Vocês querem que os meninos da favela leiam Nietzsche sob o teto do barraco de madeirite. Podem ler também, sem problema. Nada disso se opõe a ter uma bela tevê na sala. A gente não quer só comida e filosofia.

Depois de tantos anos de subemprego, de humilhação, de preconceito, de ser tratada como invisível, ainda se exige da periferia que tenha prioridades anti-consumistas. A classe média sempre comprou carro. Agora que os pobres também podem andar numa máquina motorizada inventou-se a moda que a bicicleta é o único veículo possível. É cultural ver os pobres enfurnados em ônibus lotados, em trens desumanos ou, no máximo, em chevetes com um adesivo de Jesus. Não é cultural vê-los num carro com teto solar, direção hidráulica e quatro círculos na frente. Ou mesmo em qualquer zero quilômetro com IPI reduzido. Dá-lhe exortar contra essa “pouca vergonha” que “atrapalha a cidade”, como se o trânsito fosse uma invenção da classe C. “Ei, bacana, quem te fez tão bom assim? O que cê deu, o que cê faz, o que cê fez por mim?”, muitos dos pobres que ascenderam devem, com razão, pensar.

Lembro-me de uma frase que pipoca como uma dessas verdades inapeláveis pelo Facebook: “País rico não é o que o pobre anda de carro, mas o que o rico usa transporte público”. Calma lá, amigos. Vocês passaram décadas transformando São Paulo em sinônimo de carangas gigantes e agora, que os mais pobres também podem ter as máquinas, vêm com esse papo? Pobre não pode estar certo nem com dinheiro. Sugiro que você pegue sua bicicleta diariamente na Praça da Sé e vá pedalando para Guaianases, Vila Ré ou Guarulhos; ou até Vila Joaniza, Taboão da Serra ou Vila Santa Catarina; ou até Brasilândia, Pirituba ou Jardim Brasil. Ir da Vila Madalena para o Alto de Pinheiros é mole. Primeiro deve-se ter um sistema de transporte público eficiente. Depois, as pessoas – de qual classe social forem – que decidam se querem ou não ter um carro.

De volta aos Racionais. Em uma das faixas de Nada Como um Dia, Brown deixa de lado a cantoria para contar uma situação que presencionou num Dia das Crianças. Era a de um menino pobre da zona sul de São Paulo que, em vez de presente, ganhou um tapa na cara da mãe por xingá-la por não ser presenteado. Brown termina a história: Aí eu fiquei pensando, né, mano, como uma coisa gera a outra. Isso gera um ódio. O moleque com 10 anos tomar um tapa na cara no Dia das Crianças. Eu fico pensando quantas mortes, quantas tragédias em família o governo já não causou com a incompetência, com a falta de humanidade. (…) Ali marcou pra ele. Talvez ele tenha se transformado numa outra pessoa aquele dia”. E agora, imagine que se em vez de tapa na cara o garoto ganhasse um tênis que solta luzinha ou um carrinho de controle remoto. É isso que está acontecendo cada vez mais. É consumismo? É. E o que a classe média de São Paulo fez toda a vida? Deixem de eco-egoísmo.

Não se deve ver com incoerência alguma o desejo de consumo. A reclamação de Brown contra os playboys de carrão é que Pero Vaz de Caminha foi o primeiro branco a ter um Audi por estas terras e desde então só descendente de europeu conseguiu chegar perto de um. O que o adorador de jazz não percebeu é que ele próprio acha estranho, sem se dar conta, um preto de periferia no comando de Audis e Citroens, mesmo que seja um dos artistas de música popular mais conhecidos do País. O mundo seria muito melhor se o desejo geral fosse pelo bem do próximo, pela paz mundial e pela elevação espiritual. Mas, como se sabe, em São Paulo Deus é uma nota de 100.




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Existe moda em SP

A moda, Ah, a moda. Uma marca de identidade da pessoa tão importante quanto sua impressão digital, dizem uns. Uma forma de se comunicar com o mundo, garantem outros.

Os estilos vistos pelas ruas de São Paulo são vastos. Há os que se vestem de camisa polo com algum bichinho do lado esquerdo – antes era um cavalo, agora há um veadinho. Gostam de gastar bastante mas não perdem a promoção intitulada Terça de Chope em Dobro. Lotam os bares da Vila Olímpia quando rola essa mamata. As mulheres se vestem com calças justas com estampas de animais silvestres, tipo onça ou zebrinha. Todos se divertem demais ao lembrar o que aprontaram no tempo da facul. As moças também têm no armário uma mini-camisa do Brasil para o risco de haver um jogo da seleção.

Há os tipos batizados por este que escreve de Bem Brasil. São pessoas que gostam de maracatu, samba, coco, baião, xote, xaxado ou qualquer outro gênero musical brasileiro surgido num rincão bem distante de São Paulo. E dá-lhe camisas de algodão abertas, exibindo os pelos do peito, chapéus panamás e uma corrente com um crucifixo de madeira. A sandália, indubitavelmente, é de couro, mostrando um dedão feio.

As meninas deste grupo precisam usar uma saia que venha com a função “rodar enquanto dança”. Há no mínimo quatro cores nas saias, com temas abstratos mas que remetem à temática nordestina. E elas surpreendentemente criaram uma chapinha ao contrário. Em vez de alisar, encaracolam os cabelos. Fica lindo.

O pessoal do movimento que clama por amor em SP é parecido com o grupo anterior, mas um pouco mais sofisticado. Sobretudo, todas as meninas precisam ter na nécessaire um batom vermelho, bem vermelho, mais vermelho que a bandeira do Partido Comunista. São também antenadas com o que acontece em Londres, Barcelona e Nova Iorque. Usam vestidos plissados (é esse o nome?) um pouco acima do joelho decorado com algum bichinho fofo (em geral são pássaros), meia-calça escura e botinhas bonitas. A bota pode ser de couro ou de algum modelo retrô de uma marca esportiva consagrada, como Nike, Adidas ou Puma. São fãs sobretudo de Criolo. Os caras usam camisa rosa.

Ah, e há também o grupo dos que se vestem normal. A vantagem destes é que podem entrar e sair de todos os grupos anteriores sem ser percebidos. Recomendo.

sábado, 20 de outubro de 2012

"Tinha que ser no Brasil"

Conte comigo: há 209 países no mundo de acordo com a Fifa – que é a entidade oficial para saber a quantidade de países existentes (afinal, um país sem futebol não merece esse título). Agora vamos, continente por continente, comparar os outros países com o Brasil. Quantos realmente acreditamos que estão a frente de nós na união de fatores como desenvolvimento econômico, liberdades individuais, democracia, diversidade cultural, bem-estar social, força esportiva e, sobretudo, relevância planetária. Em resumo, quantos são mais importantes que o Brasil.

No continente americano, eu destaco dois de cara: Estados Unidos e Canadá. Há alguns fatores que põem México, Cuba, Argentina e Chile a nossa frente mas, no frigir dos ovos, são só Estados Unidos e Canadá mesmo. Contagem final: dois.

Na África, quantos países são mais desenvolvidos que o Brasil? Nas minhas contas, nenhum, apesar de haver nações importantes no cenário internacional, como África do Sul, Nigéria e Egito. Contagem final: zero.

Na Oceania, um é a Austrália, outro é a Nova Zelândia. Não lembro de mais nenhum. Não ficamos sequer sabendo o que acontece nas outras ilhas do Pacífico (e ainda nos sentimos ofendidos quando um estrangeiro não sabe a capital do Brasil, mas essa é outra história). Contagem final: dois.

Na Ásia, o Japão é uma potência inconteste. A Coreia do Sul é outra. E ainda há a China, com o seu pouco admirável modelo de crescimento econômico, que até nos faz acreditar que os Estados Unidos é um país bacana. Nenhum outro me parece ser mais relevante que o Brasil. Contagem final: três.

Na Europa a lista é maior. Numa tacada só é possível destacar Inglaterra, França, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica, Suécia e, talvez, Itália e Espanha. Não dá para dizer que Albânia, Lituânia e Ucrânia são nações mais bacanas que o Brasil, não? A não ser que você seja albanês, lituano ou ucraniano. Contagem final, 13, e olhe lá.

Ou seja, quando você diz de boca cheia sobre como o Brasil é ruim e como esta nação é um motivo de vergonha para o mundo, na verdade está comparando com apenas 20 outros países do planeta, e quase todos na Europa. Os outros 189 não parecem estar adiante do Brasil em muita coisa. E nem têm cinco Copas do Mundo.

Não estou ignorando a força e a importância dos outros países. A Alemanha está atrás de nós em vários aspectos, como Angola pode estar à frente em muitos outros. Só comparando-os com a régua que aprendemos a hierarquizar as nações. E desvelando, da forma mais simples do mundo, a vira-latice geral do povo brasileiro para falar de nós mesmos.

O País cresce, as diferenças diminuem e cada vez mais temos papel de destaque no cenário internacional. Estamos entre as oito economias mais importantes do planeta, há distribuição de renda como nunca houve e somos sede dos eventos mais importantes do mundo do esporte.

Há também uma invasão de estrangeiros – de haitianos a franceses – que vêm viver por estas terras em busca de uma vida melhor. Igual a invasão europeia que houve durante toda a nossa história. Afinal, o Brasil só tem metade de brancos em sua população porque os europeus sempre vieram aos milhões para estas terras. E ninguém imigra em busca de algo pior. A Europa teve em sua história graves problemas sociais. Tal qual o Brasil.

Não, não somos o melhor país do mundo. Mas é muito mais fácil subir 20 posições do que despencar 188, que é o lugar que muita gente acredita em que estamos com o nosso pessimismo e complexo de inferioridade eternos. Com esse sentimento perene de que merecemos viver no andar de baixo.

Quando ouço expressões como “tinha que ser no Brasil” ou “no Brasil nada funciona”, a única pergunta que me dá vontade de fazer é: “Muito bem. Então me explique como as coisas funcionam bem na Albânia, no Vietnã e na Eslovênia”.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Corinthians com Libertadores é o fim da cultura do futebol paulista




O Corinthians não ter Libertadores era um patrimônio cultural imaterial de São Paulo. Era algo tombado pelo Iphan dos bares, bairros e firmas, sagrado, mantido pelas torcidas rivais e pelos próprios corinthianos. Havia um sentimento de perenidade no ar, quase um Cristo Redentor paulistano. De repente, não mais que de repente, aconteceu algo da mesma proporção de acabarem com o sotaque da Mooca, picharem o teatro Municipal, construírem um arranha-céu no Ibirapuera ou mandarem abaixo o Pateo do Colegio. A plaquinha corinthiana foi fixada no troféu mais cobiçado da América do Sul.

Ser corinthiano desde então se tornou algo diferente. Hoje saía em algum bar e diga que você é corinthiano. No máximo ouvirá um “legal” sem muito ânimo, de um torcedor adversário. Não há mais a batida mas inescapável pergunta: “Quantas Libertadores vocês têm?”. Responderemos “uma, e invicto”, e acabará o assunto. Já o corinthiano, ao te reconhecer como um par, abrirá um sorriso e apertará sua mão. Mas sem muito a falar. Não sinto mais aquela lealdade dos fracassados, o rincão emocional mais confortável que há. Todos estamos perdidos.

Sequer o título do Mundial de Clubes de 2000 é chamado mais de Torneio de Verão. Qualquer provocação esvaiu-se. As piadas aposentaram-se. A cidade está mais insossa. Mataram o orgulho de ser perdedor. O maior patrimônio cultural do futebol de São Paulo morreu com as duas bolas de Emerson estufando as redes do goleiro do Boca Juniors.

Os diretores da Conmebol precisam se reunir urgentemente para criar um outro campeonato, sei lá, a Superlibertadores, e que o Palmeiras, São Paulo e Santos se tornem campeões na primeira década. O Corinthians só deve conquistar essa faixa daqui a 100 anos. Não podemos permitir que a cultura futebolística da cidade morra de uma hora pra outra. Nossos filhos, netos e bisnetos agradecerão.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Era uma casa muito engraçada

Quer morar na zona oeste e ser descolado de fato? Veja o que não pode faltar no seu predinho antigo e charmoso:

Vitrola estilo anos 50 Não ligue se o som for ruim e, se quebrar a agulha, não conseguir encontrar outra nunca mais. O que importa é o ar retrô que ela conferirá ao seu cantinho. Importante: pergunte ao vendedor se a coleção de discos do rei Roberto Carlos vem incluída na compra.




Geladeira da mesma época Rapaz, ponha um óculos escuro, vá à praça Benedito Calixto e adquira discretamente a sua. Depois, basta espalhar que herdou a preciosidade da vovó. Não ligue se os alimentos apodrecerem por gelar mal pra caramba. Melhor do que ter uma dessas geladeiras lugares-comuns, nénão?





Cartazes de filmes de western ou com trilha do Ennio Morricone Se juntar os dois então, perfeito. Imagina quando a gata entrar na sua casa e exclamar: “Nossa, você também gosta de Il buono, il brutto, il cattivo?!". Aí basta abrir o vinho e ir para o abraço. Mas há quem diga que macho que é macho tem o cartaz do Pelé Eterno na parede. Não ligue pra eles.

Cantinho da umbanda Qual é a única religião 100% brasileira? A umbanda, é claro. Então não pode faltar um cantinho na casa para reverenciar Yemanjá e todos os santos. Sabemos que você não é muito iniciado na religião, mas basta ouvir algumas músicas de Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes que você se tornará craque no assunto. Nem pense em reverenciar só Jesus. Isso é coisa de pobre.

Banheiro globalizado
O cantinho da umbanda pode ser 100% brasileiro, mas o templo da higiene pessoal há de ser globalizado. Abuse de pastas de dentes americanas, xampus italianos, perfumes franceses. Não tenha vergonha de encher a cestinha no freeshop e transformar seu banheiro numa assembleia da ONU.


Imãs de geladeira da Mafalda Porque ela é fofa e tem consciência política, igualzinho como você se auto-define.