segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Um dia de cão

Meu caro branco:

Amanhã de manhã você acorda. Liga a tevê. Apresentadores negros, repórteres negros, atores negros. Há um branco, que faz o papel de motorista da madame negra.

Segue para o trabalho, que fica a duas horas da sua casa, num trem apertado. Para ganhar R$ 600. Ao chegar, seus patrões são todos negros. Os clientes, todos negros. Você e outros empregados, branquinhos. Fica o dia todo lá, fazendo algo chato, bem chato. Na hora de ir embora está escurecendo. Bairro nobre. Só negros na rua. Alguns atravessam a rua com medo de você. Começa a chover e você tenta pegar um táxi. Demora pra algum parar. Você é considerado mal-encarado. Desiste e para no bar.

O atendente, branco, pergunta a você: "E aí, brancão! Vai beber o quê?". Você bebe algo e vai até a linha de trem. No caminho, a polícia te para, abruptamente. "Ei, branquelo vagabundo, mãos pra cabeça". Te revistam, abrem sua carteira, cheiram dentro. Te liberam, sem sequer pedir desculpas.

Você entra novamente no trem. Quase só brancos. Compra uma revista de moda pra passar o tempo. Modelos negras. Especialistas negros. Matérias sobre como deixar os cabelos bem crespinhos, como livrar-se do cabelo liso.

Ao chegar, a entrada do morro só tem brancos. Liga a tevê. Políticos negros, ministros negros, empresários negros, atores negros. Na matéria policial, o presídio está lotado de brancos. Na novela, a única branca é a babá de uma família negra que mora no Leblon.

Assustador, né? Pois é.