terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

80 invernos

Hoje é meu aniversário de 80 anos. Já me sinto oficialmente velho faz tempo, mas idades redondas são sempre piores. Mal posso olhar em paz para uma menina sem parecer um velho babão. Pouca gente entende que, quando olho para uma mulher, a moça não é um espelho das minhas rugas. Não vejo nela o quão acabado estou. Talvez seja espelho da minha alma. E minha alma é muito mais jovem do que 80 anos.

Mas antigamente não era assim, não. Ser velho era uma coisa bacana, e vez ou outra meninas jovens vinham fazer agrados sexuais aos vovôs. Umas meio gordinhas, outras meio perdidas, mas eram mulher, não é? Os bares e casas noturnas não eram lugares de moleques. Mas desde o maldito aparecimento de Roberto Carlos não se pode mais ser velho em paz. E olha que naquela época, lá pelos anos 60, eu já suspeitava parecer idoso.

Hoje em dia não sinto mais falta das minhas noites boêmias com uísques e mais uísques. Vez ou outra arrisco me estender num bar do centro de São Paulo. Mas em cada porre preciso montar quase uma UTI em casa. Só me recupero totalmente depois de quatro dias. Não vale à pena. Prefiro passar as noites na internet, coisa que aprendi a mexer muito bem, modéstia à parte. Lá posso fingir ser ativo. Aliás, lá dá para ser eu mesmo. Eu é que sou obrigado a fingir que sou velho na vida real.

O maior problema do passar dos anos é que os amigos vão ficando pelo caminho. E o maior susto é que cada morte causa menos comoção. Lembro que, quando meu amicíssimo Carlos morreu há 30 anos, quase morri junto. Fiz pouco caso de Deus e fiquei um ano e seis meses bebendo em sua homenagem, na nossa mesa preferida. Hoje, em cada velório, dou um abraço na família, encaro o rosto do defunto e falo em pensamento: “Aguenta aí, filho da puta, que já tô chegando”. Penso que a morte é como o amor. Os primeiros são arrebatadores. Os outros, a gente vai levando. Aprende-se a sofrer.

Por falar em amor, desde meu tempo de calças curtas que ouço que a felicidade é ficar velhinho ao lado da mulher amada. Pois bem, estou velhinho. Mas a mulher amada ficou para trás, lá nos anos 50, quando me abandonou para casar com um grã-fino argentino. Nunca mais soube dela. A única notícia veio por jornal, quando vi seu nome entre os mortos de um acidente aéreo em 1975, numa viagem rumo a Paris. Por que, na minha mocidade, não fiz mil e duas juras de amor para que ficasse comigo? Hoje ela estaria aqui, me dando broncas por eu sempre usar esta camisa bege amassada. Eu estaria feliz. Mas será que daria certo? Não sei. Não sei nem se algum dia na vida ela foi minha.

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