quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

É bobagem falar de meio ambiente

Mas uma viagem de negócios. Carlos abraça o filho, beija a mulher, pede licença para a família ao lado e abre a porta do apartamento. "Até que esse pessoal que veio morar com a gente é legal", pensa. Desde que o governo decretou que deveriam viver duas famílias por casa para acomodar as pessoas que superlotam as cidades, só tinha dado azar com os novos companheiros.

Desce pela escada os nove andares de seu apartamento antigo. O luxo de usar elevador é apenas nos horários de pico ou para idosos, grávidas e mulheres com criança de colo.

Chega à rua. Pinga uma gota de colírio em cada olho, que promete proteger em qualquer ambiente. Lamenta-se por esquecer de passar a loção protetora. Os raios solares daquele inverno estão cruéis. Estica o braço e pára um táxi, já com dois passageiros. Está a caminho do aeroporto embarcar em um dos dois vôos diários ao Rio de Janeiro, que havia marcado com quatro semanas de antecedência.

O trajeto é de 12 quilômetros, que deve ser percorrido em três horas e vinte minutos pela previsão do motorista. “Hoje o trânsito está um pouco mais carregado”, justifica. Não só de carros. As pessoas tomam conta da rua, já que as calçadas – como sempre – não dão vazão à quantidade de transeuntes. Afinal, São Paulo há tempos tem população superior a 40 milhões de pessoas.

Após uma hora dentro do táxi, a sede aperta. Carlos, então, sugere aos seus parceiros: “Vamos fazer uma vaquinha para comprar uma garrafa d'água com gás de um litro?”. Todos apóiam, menos o motorista, que considera os passageiros perdulários. Mas estaciona o carro ao lado de um ponto distribuidor de água do governo, pegam uma fila de apenas 20 minutos e saem com a garrafinha gasosa e gelada, para felicidade geral do veículo.

Continuam a viagem. Precisam contornar o enorme lixão público que se criou onde décadas atrás era um bairro residencial. Todos levam ao rosto uma pequena máscara portátil e descartável, distribuídas em postos de saúde, e atravessam aquele odor nada agradável. Mas não reclamam, pois sabem que aquele lixão é um mal necessário. O outro, que fica à beira da Orla de Santos, já não comporta os dejetos produzidos.

Chegam ao aeroporto. Um dos funcionários recebe os passageiros com guardas-sóis, para protegê-los dos raios solares. Carlos fica aliviado por este serviço VIP, já que, como se sabe, havia esquecido o filtro solar.

Ainda falta uma hora para o vôo, e decide comer algo numa das duas lanchonetes do aeroporto. Após a fila de 40 minutos, escolhe a opção que lhe dá água na boca: complexo alimentar sabor baunilha. Basta chacoalhar e, em poucos segundos, está pronto. “É bem parecido com o que minha avó fazia quando eu era criança”, lembra-se, enquanto devora o potinho.

Ele compra um jornal e embarca no avião. Enquanto levanta vôo, Carlos comemora: “Adoro observar os edifícios que existem entre São Paulo e Rio, um mais bonito que o outro”. Lá, onde um dia era a Serra do Mar, há casas, apartamentos, bairros completos e, é verdade, algumas favelas. Mas não deixa de ser lindo aos seus olhos.

Abre o jornal. A data é 27 de abril de 2062. A manchete anuncia que o mundo poderá se tornar insuportável daqui 20 anos, de acordo com especialistas. “É bobagem desse pessoal que só sabe falar de meio ambiente”, resmunga, vira-se para o lado e dorme um sono tranqüilo até a Cidade Maravilhosa.

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