Desce pela escada os nove andares de seu apartamento antigo. O luxo de usar elevador é apenas nos horários de pico ou para idosos, grávidas e mulheres com criança de colo.
Chega à rua. Pinga uma gota de colírio em cada olho, que promete proteger em qualquer ambiente. Lamenta-se por esquecer de passar a loção protetora. Os raios solares daquele inverno estão cruéis. Estica o braço e pára um táxi, já com dois passageiros. Está a caminho do aeroporto embarcar em um dos dois vôos diários ao Rio de Janeiro, que havia marcado com quatro semanas de antecedência.
O trajeto é de 12 quilômetros, que deve ser percorrido em três horas e vinte minutos pela previsão do motorista. “Hoje o trânsito está um pouco mais carregado”, justifica. Não só de carros. As pessoas tomam conta da rua, já que as calçadas – como sempre – não dão vazão à quantidade de transeuntes. Afinal, São Paulo há tempos tem população superior a 40 milhões de pessoas.
Após uma hora dentro do táxi, a sede aperta. Carlos, então, sugere aos seus parceiros: “Vamos fazer uma vaquinha para comprar uma garrafa d'água com gás de um litro?”. Todos apóiam, menos o motorista, que considera os passageiros perdulários. Mas estaciona o carro ao lado de um ponto distribuidor de água do governo, pegam uma fila de apenas 20 minutos e saem com a garrafinha gasosa e gelada, para felicidade geral do veículo.
Continuam a viagem. Precisam contornar o enorme lixão público que se criou onde décadas atrás era um bairro residencial. Todos levam ao rosto uma pequena máscara portátil e descartável, distribuídas em postos de saúde, e atravessam aquele odor nada agradável. Mas não reclamam, pois sabem que aquele lixão é um mal necessário. O outro, que fica à beira da Orla de Santos, já não comporta os dejetos produzidos.
Chegam ao aeroporto. Um dos funcionários recebe os passageiros com guardas-sóis, para protegê-los dos raios solares. Carlos fica aliviado por este serviço VIP, já que, como se sabe, havia esquecido o filtro solar.
Ainda falta uma hora para o vôo, e decide comer algo numa das duas lanchonetes do aeroporto. Após a fila de 40 minutos, escolhe a opção que lhe dá água na boca: complexo alimentar sabor baunilha. Basta chacoalhar e, em poucos segundos, está pronto. “É bem parecido com o que minha avó fazia quando eu era criança”, lembra-se, enquanto devora o potinho.
Ele compra um jornal e embarca no avião. Enquanto levanta vôo, Carlos comemora: “Adoro observar os edifícios que existem entre São Paulo e Rio, um mais bonito que o outro”. Lá, onde um dia era a Serra do Mar, há casas, apartamentos, bairros completos e, é verdade, algumas favelas. Mas não deixa de ser lindo aos seus olhos.
Abre o jornal. A data é 27 de abril de 2062. A manchete anuncia que o mundo poderá se tornar insuportável daqui 20 anos, de acordo com especialistas. “É bobagem desse pessoal que só sabe falar de meio ambiente”, resmunga, vira-se para o lado e dorme um sono tranqüilo até a Cidade Maravilhosa.
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