sexta-feira, 14 de junho de 2024

Pretos Velhos, cabelos sem corte e falta de direito ao medo

Tive tantos medos na pandemia que não posso mais pensar em me atemorizar com qualquer situação além das emergenciais. Termômetro duas vezes ao dia, compras no tanque do quintal e cabelo sem corte por 172 dias. Agora, tudo o que não é perda é proveito.

Nessa época aprendi a ouvir tal qual uma criança a mesma música em looping doentio. Tempo Velho me salvou dos meus monstros, me fez acreditar em qualquer esperança além do terror interno, quando mais me vi sem o próximo passo. Só estou vivo por causa dela. E eu sequer sabia que falava de Preto Velho.

Depois, tomei as vacinas, cortei o cabelo, vesti a melhor roupa, trombei com desconhecidos na noite e segui adiante. Ainda cairia mais uma vez – a pior queda da vida. O momento mais escuro que ultrapassei. Quando invejei quem tivesse apenas fraturado um braço. Nunca mais caí desde então. Pelo menos não pelos monstrengos de dentro da cabeça.

Hoje, sou amigo de entidades não visíveis aos olhos, mas quentes no coração. Organizo-me do meu jeito, e parece bonito. Ando cada passo como se fosse necessário. Não tenho mais direito ao medo. Nunca mais. Isso é, se Deus for bom. E Ele para sempre foi e será.