De repente, perto
dos 40 anos, Ferdinando descobriu que não sabia mais escrever. Logo ele que passou
a vida toda recebendo elogios dos professores por suas redações na escola e na
faculdade, que bolou as frases mais espertas para a publicidade e ainda se
meteu a conquistar meninas com poemas ritmados, alguns até em soneto. Agora, senta-se à frente do computador
e as palavras não vêm. É como se a cabeça e a alma estivessem vazias. Tornou-se um
robô ou um personagem mal-acabado de si mesmo.
Um dia, meio
para tentar um tudo ou nada, teimou que ia voltar a escrever em alto nível. A ideia
era fazer um romance – todo mundo respeita quem escreve um romance, pensou.
Abriu o Word e começou a botar as primeiras palavras. Mas não tinha repertório
nem para chegar ao fim do primeiro parágrafo, quanto mais um livro de 200 páginas.
Decidiu, então, dar uma volta pela rua, para ver se a sua cabeça voltava a ser
fresca.
Pensou na
própria vida até então. Há uns anos, era um ser cheio de entusiasmo por
qualquer tipo de assunto. Daqueles que adoravam versar em mesa de bar como
Luiz Gonzaga era maior que os Beatles – e a sério, dando detalhes sobre a vida e
a obra do compositor pernambucano, mesmo que boa parte das pessoas já tivesse saído de
fininho da mesa. Ou que olhava para uma mulher de cabelos castanhos encaracolados
e sentia de pronto que ela poderia ser a mãe dos seus filhos. Ultimamente, não tem
paciência para ouvir sequer os primeiros acordes da sanfona de Gonzagão e sabe
que mulher é só problema, sempre foi. Ao menos com amor.
Ferdinando lembrou como passou anos debochando da vida, das pessoas. E como o deboche se
tornou um vício. E, como todo vício, o começo é prazeroso. No início os amigos
se divertem com suas observações ferinas em relação a tipos sociais e comportamentos.
Mas o sucesso sobe à cabeça. Quando se vê, não tem mais sensibilidade para
diferir as pessoas. Todas estão em caixas. As caixas sociais até fazem sentido.
Com o tempo, porém, quem sai perdendo é o encaixotador.
Sente
saudade quando suas qualidades eram exaltadas com uma facilidade incrível. Com
15 anos, por exemplo, o fato de conhecer de cor todas as músicas do Chico
Buarque e Beto Guedes era motivo de elogios rasgados dos mais velhos. “Nossa,
esse menino é inteligentíssimo”. Hoje, não faz diferença alguma. Os seus
conhecimentos são inúteis. É como se todos que não conheciam as músicas de Beto
Guedes tivessem o passado na corrida para serem pessoas melhores – até por não
serem tão exaltados na infância. Já ele ficou parado no tempo, envaidecido com
os elogios que recebeu na adolescência.
A conclusão
da caminhada é que ele tinha virado uma toupeira e não sabia mais como sair da
armadilha que criou para si. Não adianta tentar escrever enquanto não aceitar melhorar
de verdade, não apenas para impressionar as pessoas. Um dia ele foi bom, mas
passou. Hoje, sabe que é um Garrincha da escrita. Mas na fase do Corinthians. E fechou o Word.
Sem salvar.