sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

"Eu torço pela humanidade"

Poucas pessoas são mais covardes do que quem diz, pra mostrar sua visão política: “Em política, minha intenção é bem clara: eu torço pela humanidade”. Esse sujeito é um inútil travestido de gente legal. Nesta questão, fico com Paulo Freire, que certa vez disse: “Eu não posso sonhar em favor de alguma coisa se não sonho contra outra, que é aquela que obstaculiza a realização do meu sonho. E não basta que você me diga: ‘Eu sonho pela humanidade’. A humanidade é uma abstração. Não existe”.


Esta introdução é pra falar de alguns tipos típicos de São Paulo. Esta semana encontrei com um deles: uma menina muito bonita, descolada, que foi criada na Vila Madalena e, pra completar, estudou no colégio Equipe. Essas que usam saia daquele tecido mole (qual é?) de inspiração nordestina, que não saem do forró e que viajam pra Chapada Diamantina pra se “reconectar consigo”.

Estávamos conversando, por causa de um amigo em comum. Ela, em dado momento, perguntou em quem eu tinha votado pra presidente. Eu respondi que na Dilma, e emendei um “logicamente”. Ela fez cara de nojinho, e retrucou: “Sério que você acredita nela? Também não gosto do Serra. PT e PSDB fazem a política do ódio”. E completou: “Votei na Marina, que é uma nova visão pra política nacional”.

Expliquei as coisas óbvias: que o PV está mais para a direita do que para a esquerda, que esse modelo de ONGs ambientais que apóiam a Marina é perigoso, que o discurso dela é demagogo etc. Aí veio a frase da menina: “Ah, os petistas têm sempre o mesmo papo. Não quero saber de direita ou esquerda. Eu torço pela humanidade”.

Dei um gole na cerveja, respirei fundo e citei a frase de Paulo Freire. Ela fez expressão de desprezo. Mostrei o frentista, as pessoas que atendem na loja de conveniência do posto ao lado do samba e perguntei se ela via a humanidade trabalhando ali para ganhar tão pouco, ou se ela via negros trabalhando, enquanto nós, brancos, filosofávamos baratamente sobre política. Se todos fossemos igualmente humanos, pela visão dela, não haveria aquela diferença cromática entre quem está trabalhando pra ganhar pouco e quem está na boa. Ela: “Ah, não vejo diferença nisso, não. Já disse: somos todos humanos”.

O papo continuou mais um pouco. Descobri logo depois que ela adorava os negros, o jeito sorridente deles e que até teve um namorado bem moreno que conheceu num verão no litoral da Bahia. Que não saía da capoeira, e agradece aos negros todas as quartas quando foge da dieta para encarar uma feijoada. Mas não gostava de nenhuma divisão e acha todo mundo igual. Era contra as cotas universitárias e contra as outras políticas para a promoção social dos negros. Mas era a favor da humanidade.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Mais amor, por favor"


Sempre fiz pouco caso - e continuo fazendo - dessas inscrições que pipocam pelas ruas de São Paulo: "O amor é importante, porra" e "Mais amor, por favor". Eu sempre li por trás daquelas linhas: "Volta pra mim, porra" e "Acredita que eu vou mudar, por favor". O que esses sujeitos querem, afinal?

Soa como um bando de gente que tomou fora, não aceitou e saiu por aí posando de vítima da frieza dos tempos modernos. O sentimento do amor romântico não acabou, pelo contrário. O que não falta por aí é coração machucado. Quem chegou aos 30, 30 e poucos, não tem apenas um amor para lembrar, mas vários. Gente que lembra que 2002 era 2002 porque estava com determinada pessoa. Só não há mais a figura do príncipe encantado ou da rainha do lar dócil, e parece que esse pessoal quer os tempos antigos de volta.Um tempo que havia um amor para a vida inteira. Um amor de desejos reprimidos, machismo naturalizado e infelicidade. Nélson Rodrigues não me deixa mentir. Suas vovós não me deixam mentir, por trás daqueles cachos fofos e semblantes resignados.

Hoje é preciso reconstruir o conceito de amor se quiser um pingo de chance que dê certo. Entender que todo grande amor só é grande se for recíproco. Há de enxergar de olhos bem abertos a pessoa que está ao seu lado, para personalizar o amor, juntar os erros de ambos para abrir um caminho só a dois. Se possível, leve. Mas não caia da armadilha de quem propaga por aí: "O importante é a felicidade", com um ar de quem acabou com o papo. Não, não é. Felicidade é um termo abstrato, não existe. Mostre-me uma pessoa que seja sinônimo de felicidade que te mostro um cachorro azul, sem ser dos gibis. Aí dizem: "O importante é estar em paz". Errado de novo. A paz sem amor não é paz. É solidão austera.

O amor é importante, sim, mas não precisa chacoalhar ninguém pra lembrar disso. Ele vem e vai naturalmente. O drama somos nós. Não precisa prendê-lo, enquadrá-lo em sistemas pré-concebidos.  O amor existe se há tédio gostoso de ficar deitado com alguém no sofá, com as pernas entrelaçadas. O resto é novela das oito.

Não é preciso pedir mais amor. É preciso esquecer o modo antigo de amar. Há muitas outras formas. Menos ficar choramingando nos muros da cidade. Quer mais amor? Reaprenda a amar, porra.